domingo, 15 de janeiro de 2012

Parte 1: Nada comum. Eu não aguento mais.

Almoço comum numa semana comum numa vida nada comum.

- Anda. Faça isso. O filho do Heitor da padaria fez e veja só em que ponto aquele moleque magricela chegou? Presidente de um lugar não é para qualquer um, não. Você tem que fazer o mesmo...
- Seu pai está certo. E vamos. Se arrume. Faça aquilo que eu disse no cabelo. Vai ficar bem parecido com o penteado da moça que eu te falei semana passada. E se veste daquele jeito que eu te falei, filha.

Resumindo anos....

O silêncio era a única forma de resposta de Poliana naquele momento. Em seus vinte anos de vida, as pessoas tinham lhe dito o que era melhor para ela sem nem ao menos perguntar se era o que ela pensava. 
Seu irmão tinha tudo que gostaria de ter. Tinha liberdade. Estudava a faculdade que queria. Ninguém dava a ela todas as possibilidades de se sentir bem. Tudo que Poliana conseguia era ficar chateada. Na escola, nunca fora aceita como era. Em seis anos sofrera todo tipo de brincadeira maldosa que nenhuma criança gostaria de sofrer. Por ser ruiva, magra e muito pálida, sofrera e muito. Não compreendia a maldade de seus colegas. Nunca fizera nada de ruim para ninguém na sua vida, mas a vida resolveu brincar com ela de uma forma que ela não tinha força para aguentar e as tais brincadeiras machucavam até a alma. Eram ofensas, palavras que machucavam mais do que uma boa surra de arrame.

Foi crescendo. Ignorando aquelas palavras que se tornaram cicatrizes em seu coração.Observava, mas não preferia falar. O silêncio tinha se tornado seu companheiro. Não tinha amigos. Passava uma boa parte de sua vida lendo, vendo séries, desenhando e criando comerciais e programas de TV. Guardava tudo que fazia, pois acreditava que um dia tudo aquilo lhe seria útil. Quando menor, escrevia sua angustias em cadernos. Poesias, canções, toda forma que pudesse amenizar a dor que sentia e sabia que jamais seria esquecida por mais cimento que colocasse em cima. No ensino médio, todo mundo parecia querer muda-la.
- Vista-se assim. Você tem 15 anos e se veste como uma garotinha de 13 anos.
Quantas vezes tinha escutado:
- Coloque uma calça mais apertada. Vai valorizar você. Vou te comprar uma.
- Faça escova no cabelo. Passe rímel nos olhos e gloss na boca. Vai ficar tão bem.
Poliana não queria isso tudo na vida. Estava satisfeita em ser a primeira da sua turma e se vestir com calça jeans que não apertava o juíza e camisetas com infirmações. Adorava seu cabelo cacheado e cheio preso. Gostava do jeito que se vestia e não queria ser o centro das atenções. No antigo colégio era o alvo do deboche, agora só queria ficar no seu canto, sozinha. Nunca tinha chamada atenção de garoto nenhum, a não ser para ser alvo de piadinhas. Seus fones de ouvido e seus livros eram seus maiores companheiros. Estavam onde Poliana estava. A libertavam de um mundo medíocre o qual achava que jamais seria feliz. Era dolorido pensar isso, mas ninguém nunca lhe mostrara o contrário.

Conversava com o cão. Passava horas dizendo como se sentia. Borges era o única que a ouvia sem demonstrar tédio ou impaciência. Sentava ao seu lado e ficava lá, até a dona retirar toda a dor que tinha dentro de si:

- Eu nunca quis ser assim. Sempre fui do tipo que esperava tudo mudar, sabe? Eu nunca pedi para que tais coisas acontecessem. Eu sempre quis ser normal como os outros. Às vezes, me pergunto, o que eu fiz para merecer tanto sofrimento e tanta dor. Até hoje não tive resposta. Até hoje não tive mudança. A mudança que sonhei e sonho desde sempre. Será que mereço isso? Será que eu fui uma muquirana desgraçada no passado e agora estou pagando no presente? Por que as pessoas querem me mudar? Por que as pessoas querem que eu seja de um forma? Eu me sinto tão feliz sendo assim. Gosto de fazer as coisas que trazem paz ao meu coração. Gosto de criar textos, desenhos, gosto de fazer esse tipo de arte. Gosto de vestir essas roupas. Gosto de conversar sobre tais assuntos. Não gosto do meu cabelo desse jeito, mas veja só ele, Borges? Olha o tamanho dele. Ele dá trabalho. E sou uma alma em forma de humano. Dá trabalho dar vida a esse ser sem vida que eu sou. Por que eu não posso ser do jeito que eu sou? Por que as pessoas insistem em me machucar e me dizer que meus planos não vão dar certo? Que eu não serei alguém? Eu deveria acreditar em mim. Eu sei que devo, mas tudo isso me chateia tanto... Por que eu não posso ser feliz?

Continua...

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